Gilberto Gil empresta seu talento para atualizar as vertentes do forró
João Pimentel
Um disco inteiramente dedicado aos ritmos nordestinos como o xote, o maxixe e o baião, lançado no período junino, pode parecer uma jogada oportunista. E talvez até seja mesmo. Em mais um tributo, desta vez não a um artista como fez com Bob Marley e Luiz Gonzaga, mas a um gênero musical que há muito deixou de ser regional, Gilberto Gil se impõe pela sua personalidade e por seu talento. E "Fé na festa" não é um disco solto dentro de sua obra. Pelo contrário, ele flerta diretamente com seu CD anterior, "Banda larga cordel".
A ótima "O livre atirador e a pegadora" tem a mesma linguagem e temática modernas do xote "Despedida de solteira", que, sabe-se lá por quê, passou em branco. Se no trabalho passado ele cantou "Não tenho medo da morte", neste ele enfrenta outro desafio em "Não tenho medo da vida". O forró de Gil tem assinatura, tem o violino e a rabeca de Nicolas Krassik, tem a sanfona de Toninho Ferragutti e tem criatividade de sobra.
Ele passeia com total liberdade e autoridade sobre os ritmos e desfia sua inventividade nas letras e melodias, respeitando a receita da simplicidade aliada à sofisticação ensinada por mestres como Gonzagão e Jackson do Pandeiro. Em "A estrela azul do céu" Gil fica em cima do muro, entre a beleza lúdica do balão subindo e o perigo que representa para as florestas. "A fila anda, a vida vai/ Propondo a mutação/ Então, de repente, ficou diferente a noite de São João".
Mas a preocupação ecológica é direta em "Marmundo". "Vinte e seis", uma música que fala de seu aniversário, em junho, dois dias depois de São João, é um dos melhores momentos do disco. Das regravações, destaque para "Norte da Saudade", dele com Perinho Santana e Moacyr Albuquerque. |