Íntegra do discurso do ministro Gilberto Gil

Há 60 anos, o prédio do então Ministério da Educação e Cultura recebia a primeira exposição externa das obras dos pacientes da Seção de Terapia Ocupacional e Reabilitação do Centro Psiquiátrico Pedro II. Talvez só mesmo aquele edifício – hoje Palácio Gustavo Capanema, sede do Ministério da Cultura no Rio de Janeiro -, com a […]

Há 60 anos, o prédio do então Ministério da Educação e Cultura
recebia a primeira exposição externa das obras dos pacientes da Seção
de Terapia Ocupacional e Reabilitação do Centro Psiquiátrico Pedro
II. Talvez só mesmo aquele edifício – hoje Palácio Gustavo Capanema,
sede do Ministério da Cultura no Rio de Janeiro -, com a ousadia e a
poesia de uma arquitetura nova, num país que emergia de um longo
período autoritário, pudesse sediar a primeira mostra, a primeira
demonstração, os primeiros resultados de uma revolução em curso.

Hoje, aqui neste palco, os artistas se reúnem para cantar o futuro de
um dos segmentos mais incompreendidos e da nossa sociedade, que são
os pacientes das instituições de saúde mental. E, quando apontamos e
abraçamos o futuro – um futuro de cidadania, de vida plena, de
inclusão e de respeito -, ecoa a voz de uma mulher. Estamos reunidos
aqui sob a inspiração de Nise da Silveira. A teimosa, aguerrida,
obstinada, a revolucionária Nise da Silveira.

Hoje, a idéia de uma terapêutica sem muros não é um sonho, é uma
possibilidade concreta. É para assegurar a materialização dessa
possibilidade que movimentos como o “Loucos por Música” se organizam
– não por acaso, o “Loucos por Música” teve sua primeira edição, em
2005, destinada a apoiar a Casa das Palmeiras, instituição fundada
por Nise, pioneira na aplicação da idéia do externato para o
tratamento dos transtornos mentais.

O Ministério da Cultura tem muita alegria em poder contribuir para
esse projeto, que visa a apoiar iniciativas de inclusão social dos
usuários dos serviços de saúde mental. Gostaria de reiterar todo o
meu compromisso com a causa e reafirmar a minha crença de que, junto
com as famílias e os ambientes sociais de cada indivíduo, é possível
reorganizar o atendimento dado às pessoas com distúrbios mentais no
país, assim como é possível criar reais possibilidades de cura e
qualificar o tratamento e o apoio nesses momentos tão difíceis.

A cronificação dos distúrbios mentais produzida pelo atendimento nos
manicômios é um fato real que escraviza os portadores e os expõem a
condições desumanas. Nesse sentido, é de responsabilidade do Estado o
desenvolvimento de uma política de saúde mental efetiva e de
qualidade, bem como a assistência e a promoção de ações de saúde aos
portadores de transtornos mentais, com a devida participação da
sociedade e da família. A internação, em qualquer de suas
modalidades, só deve ser indicada quando os recursos
extra-hospitalares se mostrarem insuficientes, já o tratamento
dispensado deve ter como objetivo permanente a reinserção social do
paciente em seu meio.

A Doutora Nise dizia que sua palavra favorita era “liberdade”. Como
ela, eu também gosto muito do som dessa palavra, gosto das infinitas
possibilidades que esta palavra inspira. Gosto de pensar na beleza
que Nise ajudou a emergir nas telas, nas esculturas, nas obras de
seus pacientes. Mas gosto, principalmente, da perspectiva de
liberdade que ela começou a desenhar para os usuários dos serviços de
saúde mental ainda na década de 40. Segundo o sociólogo e antropólogo
francês, um dos maiores pensadores da atualidade, Edgar Morin,
“civilizar é solidarizar a Terra, transformar o ser humano em
humanidade”. Sem dúvida, Nise da Silveira foi um exemplo dessa
passagem de Homem à Humanidade e, assim como ela, espero que este
evento seja mais um passo para esta transformação no Brasil. Hoje,
estamos aqui reunidos para o prosseguimento deste trabalho.

Muito obrigado!

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Gilberto Gil