Ficha técnica da faixa:
violão – Gilberto Gil
baixo – Rubens Sabino (Rubão)
bateria – Tutty Moreno
percussão – Tutty Moreno
teclado – Aloisio Milanez
Outras gravações:
“Refazenda”, Gilberto Gil, Philips Music 1975
“Giluminoso”, Gilberto Gil, Biscoito Fino 2006
“Gilberto Gil – original album series (cd 3)”, Warner Music 2012
“Topaz audio studio”, Lica 1996
“Roberto Menescal e Wanda Sá – ensaio”, Warner Music 2002
“Este e o Gil que eu gosto”, Zizi Possi, Warner Music 1995
Uma canção sobre meditação que é uma canção que é uma meditação (uma canção-meditação), fruto de um processo de meditação e realizada em estado de meditação.
“Dentro de mim mesmo” – “Meditação é uma busca dos extratos rarefeitos do pensar e do sentir, do olhar sobre o sujeito e o objeto, sobre o si e o em si, e sobre o ser. A letra resultou de horas e horas de dias e dias de meditação sobre a música.
“Eu estava terminando o repertório de Refazenda e queria usá-la como um fecho minimal que emblematizasse a idéia reflexiva, introspectiva, do disco. Havia um compromisso com os espaços das frases sonoras: eu não podia escrever o que quisesse (para construir a letra de uma música que já está feita, a gente já parte com esse dado limitador – não no sentido qualitativo, de expressão, mas no quantitativo). Por isso eu precisava de instrumentos muito precisos que me levassem aos lugares onde as palavras estivessem; de anzóis muitos afiados e linhas de comprimento muito bem medido para poder fazer a pescaria das palavras que expressariam numa suma o que eu sentia. E precisava da confirmação temporal do significado da meditação – de que ela trouxesse para o sujeito, que era eu, a sensação que a palavra meditação traz, de escorrer no tempo…
“Em momentos bem prosaicos, de manhã, de tarde, de noite, eu andava pela casa pensando naquela melodia – com ela dentro de mim mesmo -, mas sem escrever nada, nem tentar, apenas me deixando tomar pelo sentimento oceânico da evolvência. Numa madrugada eu me recolhi, tomei um chá, sentei na posição de lotus, e saiu! – uma parte inteira. Dormi aquele sono pleno, apaziaguado, e no dia seguinte fui tocá-la no violão. Frustração absoluta: me deparei com uma segunda parte que, embora, do ponto de vista métrico, seja basicamente a mesma coisa, tem um finalzinho que é um apêndice (a última frase melódica). ‘Meu Deus do céu! Pensei que estivesse pronta’, eu disse. ‘Quantos dias mais vou ter eu que ficar rodando pela casa para fazer esse resto de música?’ Mas não é que, já estimulado pelas idéias da primeira estrofe, na noite seguinte fui para a mesma situação, me recolhi etc., e veio a segunda?!”
Do início… – “Durante aqueles dias de viagens medidativas (acompanhadas de muita maconha, evidentemente; na época eu fumava bastante e fazia mergulhos abissais…), eu havia regado tanto a planta auto-referencial que, quando me ocorreu algo, me ocorreu o óbvio: ‘Dentro de si mesmo’ – como se para reiterar o silêncio, ou seja, para dizer: ‘Disso não se diz nada, porque isso é indizível; não adianta, você vai ficar dias e dias aí e não vai dizer nada!’ E em seguida, num movimento da interioridade para a exterioridade, veio: ‘Mesmo que lá fora’ – os dois versos em mútuo espelhamento projetando suas imagens significantes para adiante, nos versos subsequentes. A letra é muito visual mesmo, hologrâmica: um fracionamento lisérgico da imagem oculta, com partes essenciais ao todo e com o todo presente nas partes.”
…ao fim… – “O futuro como desdobramento de uma perspectiva colocada por um ser no presente (projeção); como o que era de se esperar: não só no sentido de vir a corresponder a uma expectativa ou a realizar um desejo que se tenha em relação a ele; mas também no sentido de que deve haver uma espera, uma passividade, uma ação da não-ação em relação ao que se espera dele; uma desarticulação do desejo, o não-desejo; o princípio da incerteza, em termos de que, mesmo que seja o inesperado, é na espera disso que o futuro ocorre – e aí, a inclusão da perspectiva do abismo, da tempestade, do desconhecido, da morte.”
…um parto – “Meditação levou uns dez dias em estado de gestação. Muitas outras canções minhas tiveram processos parcialmente similares, mas é dessa que eu tenho a sensação mais nítida de uma fecundação por um corpúsculo invisível que, apesar disso, você sabe que está ali e que um dia nasce. A canção parece ter sido projetada para ter uma gravidez, um crescimento de embrião e seu momento de nascimento. E eu me lembro da comoção profunda que eu tive quando a terminei – no exato momento em que senti o casamento do verso ‘o que era de se esperar’ com a frase musical correspondente.”