Ficha técnica da faixa:
voz – Gilberto Gil
voz – Milton Nascimento
baixo – Arthur Maia
bateria – Lincoln Cheib
“Eu estava havia três dias pensando em parar de cantar; em deixar a seqüência profissional de discos e shows. Estava prestes a tomar essa decisão – e avisar todo mundo -, mas não por uma razão que tivesse a ver com cantar, que é a coisa que mais me encanta na vida. Minha sensação era de fastio; eu queria era um elemento que me trouxesse um novo ânimo. ‘Se eu vou parar mesmo’, pensei, ‘eu tenho que fazer uma declaração pública, e essa declaração tem de ser musical.’ Aí eu fiz Palco, uma canção que era na verdade pra não deixar dúvida a respeito de tudo o que cantar representa para mim, e a respeito da minha relação com a música – simbolizada de forma completa pelo estar no palco.”
De que fala Palco (“o primeiro afoxé forte”) – “De um espaço semi-sagrado; da sua função exorcizante, catártica, clínica – daí o refrão (na hora em que compus, eu me lembrava muito do pouco que sabia sobre as tragédias gregas, o palco grego, Dionísios).
“De um sacerdócio; da capacidade de administrar um ritual – o da música em funcionamento, cumprindo seus ditames; de como eu me vejo nesse papel, como eu fantasio a minha visão e como eu vejo essas fantasias do meu próprio olhar.
“Do aspecto transmutador da música para mim no palco: de como estar ali faz provavelmente desaparecer uma opacidade natural do caráter bruto das coisas comuns sem sabores especiais do cotidiano, e como o haver ali sabores especiais em tudo me dá um aspecto de transfiguração – daí a idéia de que ali se propicia que alguém veja minha aura.”
Compor e cantar – “Duas dimensões e dois retornos diferentes à alma. Compor é motivo de extraordinário, transcendental orgulho pela vida, o de fazer parte do universo da criação; cantar é motivo de vaidade. É muito envaidecedor estar num palco e produzir prazer instantaneamente para todos – uma afirmação anímica de vida da música através das energias dos corpos humanos ao vivo. No palco, além de diversão, a sensação é de doação, de benfeitoria do homem para o homem. Já o momento da composição é solitário, individual, e, ao se esgotar, daí por diante é como se a música partisse para o mundo, como um filho. Cantar é reabraçar os filhos, reuni-los de novo ao seu corpo, fazê-los parte do seu corpo.”
“Cântaro = cantar o” – “Quando eu digo ‘cantar o’, eu digo de novo ‘cântaro’. Mais do que rima, é recomposição: a palavra ‘cântaro’ é reconstituída, como se tivessem embutido ali o cântaro. Muitas pessoas não devem nem perceber o ‘cantar o’; na audição deve prevalecer ‘cântaro’ mesmo.”