Ficha técnica da faixa:
ovation e voz – Gilberto Gil
sax – Beto Saroldi
guitarra – Celso Fonseca
Rhodes e clavinet – Jorjão Barreto
percussão – Repolho
baixo – Rubens Sabino (Rubão)
bateria – Wilson Meirelles
backing vocals – Nara Gil e Neila Carneiro
Religiosamente incorreta – “Quando Serafim foi lançada, eu cantava ‘carneiro’ onde hoje está ‘bezerro’ – um erro religioso: o carneiro é um animal rejeitado por Ogum e não podia ser referido em sua homenagem. A correção veio depois (no show Tropicália 2 eu fiz a substituição), por advertência do Caetano e da Flora, que havia se iniciado no candomblé. Eu tinha usado ‘carneiro’ porque é um animal comumente sacrificado no candomblé.
“Em Lavagem do Bonfim [canção composta para Gal Costa em 1993] também há algo que pode ser visto como uma incorreção, mas que é proposital. Ao citar o caruru – que não é uma comida para Oxalá – eu não estou me referindo ao caruru como uma comida específica de oferenda a um santo, mas ao caruru como a somatória das comidas de santo, que na Bahia chamam caruru. ‘Vou ao caruru da dona Fulana’, quer dizer, ‘lá vai ter abará, acarajé, vatapá, arroz, feijão, inhame etc.’ ‘Caruru’ ali está portanto no sentido transreligioso, profano, de ‘ceia’, ‘refeição’, comida de todos os santos.”
Iorubá – ” ‘Kabieci lê’: saudação para Xangô; ‘eparrei’: para Iansã; ‘ora iê, iê’: para Oxum. ‘Oba bi olorum koozi’: a expressão eu vi inscrita num pára-choque de caminhão em Lagos, acompanhada da tradução em inglês: ‘No king as God’. ‘Um dia ainda vou usar isso numa música’, pensei. Guardei na memória e usei, acompanhada da tradução (livre) em português.”
Da utopia da poesia de as palavras serem as coisas, e da relação de correspondência entre som e sentido, fundo e forma – “O som do ferro sobre o ferro será como o berro do bezerro”: as aliterações em erres e bês parecem exprimir aquilo a que a frase alude, estabelecendo biunivocamente a conformidade fônico-semântica: como se os versos não apenas falassem de um ruído: fossem o ruído. “Os recursos sonoros empregados na construção dessa letra são mesmo muito fortes, de profunda inspiração”, reconhece Gil. “Tinha que ser assim, porque a música é sobre a potência – do axé, dos orixás”.
Um deles, Exu – aliás, referido em outro bloco de carregada sonoridade, uma sucessão tríplice de “trs” e vês e esses -, é destacado pelo compositor: “Tenho por ele uma particular admiração. No sincretismo, Exu é assimilado ao demônio, visto como uma entidade do mal, mas não é nada disso. Embora traquino, travesso, ninguém, nenhum orixá trabalha nem vive sem ele. Exu é o eixo, o mensageiro; o que dá energia a tudo – como a luz solar para a Terra.” A mesma referência reverenciadora à entidade é, aliás, repetida por Gil em outra canção, Dança de Shiva.