Músicas
Umeboshi
Gilberto Gil
Como a flor de lótus é
Uma bomba poderosa
Como a pomba-gira é
Estimulante do apetite
Elixir contra a bronquite
Regulador da mulher
Base da saúde púbica
Saúde dois mil e única
Saída contra a maré
Umeboshi cura qualquer saúde
Umeboshi cura qualquer doença
Umeboshi cura tudo porque veio do Japão
Foi cultivada na terra
Onde teve uma explosão
“Eu quero paz e arroz
Amor é bom e vem depois”
Como disse o meu amigo Jorge muito Ben
No mais é Deus no céu da boca e nada mais
(Conheci meu amigo na beira do cais
Perguntei se ele iria
Ele disse: “O Senhor vai
Descer do céu na terra uma vez mais”
Eu pensei: “Quem diria”
Ele disse: “O Senhor vai”
Eu falei qualquer coisa
Ele sumiu do cais
Partiu dali para sempre
Para nunca mais
E quando eu chego em casa
Dá, pai
Dá, mãe
Dá cá
Dá cá
Dá cacun dá, dá, dá
Dá cacunda, dá, dá
Dá cacunda pro menino
Pro menino não chorar
Faz a cama da menina
Que a menina quer deitar
Dá cacunda, dá, pai
Dá cacunda, dá, mãe
Dá cacunda pro menino
Pro menino não chorar
Faz a cama da menina
Que a menina quer deitar)
Umeboshi
Ameixinha salgada
Três anos curtida
Três anos curada
No sal
De curtida
De curada
Cura
Cura qualquer doença
Cura qualquer saúde
Umeboshi
Ameixinha salgada
(Salgada paca)
Umeboshi é fruto da flor
Como a flor de lótus é
Uma bomba poderosa
Como a pomba-gira é
[ inédita ]
Comentários*:
“Como ‘Jurubeba’, como ‘Pílula de alho’, essa é mais uma das canções minhas que tratam dos alimentos com qualidades medicinais, estando ligadas à idéia do alimento como fonte de saúde, como remédio mesmo. ‘Umeboshi’ foi composta para falar da eficácia da ameixa japonesa homônima, muito usada na macrobitótica.
‘Umeboshi cura qualquer saúde’: o verso, aparentemente paradoxal, se relaciona com a idéia do professor Tomio Kikuchi [o introdutor da macrobitótica no Brasil], para quem ‘só tem saúde quem fica doente; sem doença, não há saúde’. Quer dizer, quem estiver se sentindo muito saudável, tem que se curar disso… A idéia remete para a visão do equilíbrio como pura dinâmica, não como situação estática.
‘Eu quero paz e arroz/ Amor é bom e vem depois’ é citação de uma música do Jorge Ben. ‘Deus no céu da boca’, uma referência ao hábito e à recomendação de deixar a umeboshi se dissolvendo na boca, quando se está tratando de alguma problema com ela. O diálogo na estrofe final é um procedimento formal que será retomado depois em ‘Abra o olho’; é um embrião de ‘Abra o olho’.”
*Extraído do livro “Gilberto Gil – Todas as Letras”
Uma Coisa Bonitinha
Gilberto Gil
João Donato
Que é mamãe
Outra coisa ainda mais bonitinha
Que é vovó
Mamãe,
Numa blusa larga de tricô
Vovó,
Numa blusa justa de crochê
Mamãe,
Bem apertadinha no maiô
Vovó,
Num biquinizinho, que mulher
Mamãe,
Um rostinho Michelangelo
Vovó,
Um corpinho estilo Caribé
Mamãe,
Usuária assídua do metrô
Vovó
Bicicleta sempre que puder
Mamãe,
Elegante sempre na maior
Vovó,
Escrachada, hippie, bem lelé
Mamãe,
Materialista de bom tom
Vovó,
Idealista da cabeça ao pé
Mamãe,
Eu já sei o que que eu vou fazer
Vovó,
Vou acabar morando com você
Um trem para as estrelas
Gilberto Gil
Cazuza
Vejo o Cristo, da janela
O sol apagou sua luz
E o povo lá embaixo espera
Nas filas dos pontos de ônibus
Procurando aonde ir
São todos seus cicerones
Correm pra não desistir
Dos seus salários de fome
É a esperança que eles têm
Nesse filme como extras
Todos querem se dar bem
Num trem pras estrelas
Depois dos navios negreiros
Outras correntezas
Meu nego
Num trem pras estrelas
Depois dos navios negreiros
Outras correntezas
Meu nego
Estranho, teu Cristo, Rio
Que olha tão longe, além
Tem os braços sempre abertos
Mas sem proteger ninguém
Eu vou forrar as paredes
Do meu quarto de miséria
Com manchetes de jornal
Pra ver que não é nada sério
Eu vou dar o meu desprezo
Pra você que me ensinou
Que a tristeza é uma maneira
Da gente se salvar depois
Num trem pras estrelas
Depois dos navios negreiros
Outras correntezas
Meu nego
Num trem pras estrelas
Depois dos navios negreiros
Outras correntezas
Meu nego
[ para o filme Um Trem para as Estrelas ]
Um sonho
Gilberto Gil
Que eu estava certo dia
Num congresso mundial
Discutindo economia
Argumentava
Em favor de mais trabalho
Mais emprego, mais esforço
Mais controle, mais-valia
Falei de pólos
Industriais, de energia
Demonstrei de mil maneiras
Como que um país crescia
E me bati
Pela pujança econômica
Baseada na tônica
Da tecnologia
Apresentei
Estatísticas e gráficos
Demonstrando os maléficos
Efeitos da teoria
Principalmente
A do lazer, do descanso
Da ampliação do espaço
Cultural da poesia
Disse por fim
Para todos os presentes
Que um país só vai pra frente
Se trabalhar todo dia
Estava certo
De que tudo o que eu dizia
Representava a verdade
Pra todo mundo que ouvia
Foi quando um velho
Levantou-se da cadeira
E saiu assoviando
Uma triste melodia
Que parecia
Um prelúdio bachiano
Um frevo pernambucano
Um choro do Pixinguinha
E no salão
Todas as bocas sorriram
Todos os olhos me olharam
Todos os homens saíram
Um por um
Um por um
Um por um
Um por um
Fiquei ali
Naquele salão vazio
De repente senti frio
Reparei: estava nu
Me despertei
Assustado e ainda tonto
Me levantei e fui de pronto
Pra calçada ver o céu azul
Os estudantes
E operários que passavam
Davam risada e gritavam:
“Viva o índio do Xingu!
“Viva o índio do Xingu!
Viva o índio do Xingu!
Viva o índio do Xingu!
Viva o índio do Xingu!”
Um samba
Gilberto Gil
João Donato
O prazer à sombra num sol de verão
Repouso
No samba
Não ouso pedir mais do meu violão
Que as asas
De um samba
Prum vôo na nave da inspiração
E um pouso
Suave
No telhado estrelado de um barracão
Da imaginação
Um samba
Tomara que as eras que ainda virão
E as feras
Uivantes
Dos alto-falantes da nova canção
Devorem
De um samba
As vísceras cruas de fogo e paixão
E as ruas
Repletas
Celebrem tambores de um mundo pagão
De um samba
Um riacho, um caminho
Gilberto Gil
Dominguinhos
Foram tantos os enganos, foram tais
As ilusões cruéis, as confusões banais
Foram tantos olhos de crianças, tantos risos de esperança
Que no fundo tanto faz
Se voltarão depois, se ficarão pra tras
Dito assim, parece que o coração esquece
O que merece da lembrança gratidão
Não é isso não, não é isso não.
Veja, o coracão tem seu capricho, mesmo
O que já foi pro lixo da memoria, nele não
Pois nele a história está no cofre da emoção
Ha por exemplo, cenas que ainda contemplo, como um telão
Pra sentir que era assim
Mesmo assim, bem assim
Aquele riacho sempre, sempre indo
Aquele caminho sempre a me levar
Entao eu vim parar, parar bem aqui.
No entanto, quase tudo que eu canto
Nao tem canto certo, nao tem tempo nem lugar
É pra voce ouvir, é pra voce sonhar
O riacho, meu riacho, seu riacho
Meu caminho, seu caminho, tudo só canção
Só pra voce guardar dentro do coração
Um carro de boi dourado
Gilberto Gil
Francis Hime
Surgiu na estrada gemendo
Gemendo um doce gemido
Vozes lhe seguindo o som
Bois elegantes puxando
Rodas de luzes piscando
Um carro de boi neon
Um carro de boi neon
Um carro de boi neon
Um carro de boi dourado
Fluorescente, iluminado
Trazendo Touro Sentado
Sentado ao lado de Trom
Buda sorrindo calado
Admirando o machado
Empunhado por Xangô
Os anjos celestiais
Os campeões mundiais
Nobres de Roma e de Atenas
Escravas louras, morenas
Todos desfilando atrás
Soldados, sábios, mucamas
Alfarrábios, fliperamas
Tudo desfilando atrás
Atrás do carro de boi
Atrás do carro de boi
Como na escola de samba
O bamba e o super-herói
Como na escola de samba
O bamba e o super-herói
Um carro de boi dourado
Passou na estrada gemendo
Trazendo os deuses e o som
Um carro de boi neon
Um carro de boi neon