Músicas
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Gravações
Gilberto Gil – Gilberto Gil (1968), 1968 – Philips
Gilberto Gil e Rita Lee – Refestança (Ao Vivo), 1977 – EMI Records
Gilberto Gil – Em Concerto, 1987 – Gege
Hermeto Pascoal e Margareth Menezes – Songbook Gilberto Gil, 1992 – Lumiar Music
Gilberto Gil – Concerto de cordas e Máquinas de ritmo (Ao Vivo), 2012 – Biscoito Fino
Caetano Veloso e Gilberto Gil – Dois Amigos, um Século de Música (Ao Vivo), 2015 – Uns Produções Artísticas e Gege
Comentário*
Montar algo diferente, partindo de elementos regionais, baianos, para o festival da TV Record: esse era o projeto de Gil ao começar a pensar a canção. “Daí a ideia”, conta ele, “de usar um toque de berimbau, de roda de capoeira, como numa cantiga folclórica. O início da melodia e da letra da música já é tirado desses modos. Com a caracterização do capoeirista e do feirante como personagens, eu já tinha os elementos nítidos para começar a criação da história.”
“Algumas pessoas pensam que rima é só ornamento, mas a rima descortina paisagens e universos incríveis; de repente, você se depara no lugar mais absurdo. Eu, que a procuro primeiro na cabeça, no alfabeto interno – mas também vou ao dicionário -, vejo três fatores simultâneos determinantes para a escolha da rima: além do som, o sentido e o necessário deslocamento.
“Em Domingo no Parque, pra rimar com ‘sumiu’, eu cheguei à Boca do Rio (bairro de Salvador). E quando eu pensei na Boca do Rio, me veio um parque de diversões que eu tinha visto, não sei quantos anos antes, instalado lá, e que, desde então, identificava a Boca do Rio pra mim: desde aquele dia, a lembrança do lugar vinha sempre junto com a roda gigante que eu tinha visto lá. Aí eu quis usar o termo e anotei, lateralmente, no papel: ‘roda gigante’. Ela ia ter que vir pra história de alguma maneira, em instantes.
“Era preciso também fazer o João e o José se encontrarem. O João não tinha ido ‘pra lá’, pra Ribeira; tinha ido ‘namorar’ (pra rimar com ‘lá’). Onde? Na Boca do Rio, pra onde o José, de outra parte da cidade, também foi. No parque vem a conformação dos caracteres psicológicos dos dois. Um, audacioso, aberto, expansivo. O outro, tímido, recuado. Esse, louco por Juliana mas sem coragem de se declarar, vivia há tempos um amor platônico, idealizando uma oportunidade pra falar com ela. Naquele dia ele chega ao parque e a encontra com João, que estava ali pela primeira vez e não a conhecia, mas já tinha cantado Juliana e se divertia com ela na roda gigante. É a decepção total pro José, que não resiste.
“Era só concluir. A roda gigante gira, e o sorvete, até então sorvete só, já é sorvete de morango pra poder ser vermelho, e a rosa, antes rosa só, é vermelha também, e o vermelho vai dando a sugestão de sangue – bem filme americano -, e, no corte, a faca e o corte mesmo. O súbito ímpeto, a súbita manifestação de uma potência no José: ele se revela forte, audaz, suficiente. A coragem que ele não teve para abordar Juliana, ele tem para matar.”
“A canção nasceu, portanto, da vontade de mimetizar o canto folk e de representar os arquétipos da música de capoeira com dados exclusivos, específicos: com um romance desse, essa história mexicana. Está tudo casado.”
“Domingo no Parque, como Luzia Luluza e outras do mesmo período, foi feita no Hotel Danúbio, onde eu morei durante um ano, em São Paulo. Nana [a cantora Nana Caymmi, segunda mulher de Gil] dormia ao meu lado. Nós tínhamos vindo da casa do pintor Clovis Graciano – amigo de Caymmi -, onde eu tinha rememorado muito a Bahia e Caymmi. Eu estava impregnado disso, e por isso saiu Domingo no Parque: por causa de Caymmi, da filha dele, dos quadros na parede. A umas duas da manhã fomos para o hotel e eu fiquei com aquilo na cabeça: ‘Vou fazer uma música à la Caymmi, fazer de novo um Caymmi, Caymmi hoje!’ Peguei papel e violão e trabalhei a noite toda. Já era dia, quando eu terminei. De manhã, gravei.”
*Extraído do livro Todas as Letras – Gilberto Gil
Domingou
Gilberto Gil
Torquato Neto
Como nunca jamais se iluminou
São três horas da tarde, é domingo
Na cidade, no Cristo Redentor – ê, ê
É domingo no trolley que passa – ê, ê
É domingo na moça e na praça – ê, ê
É domingo, ê, ê, domingou, meu amor
Hoje é dia de feira, é domingo
Quanto custa hoje em dia o feijão
São três horas da tarde, é domingo
Em Ipanema e no meu coração – ê, ê
É domingo no Vietnã – ê, ê
Na Austrália, em Itapuã – ê, ê
É domingo, ê, ê, domingou, meu amor
Quem tiver coração mais aflito
Quem quiser encontrar seu amor
Dê uma volta na praça do Lido
O-skindô, o-skindô, o-skindô-lelê
Quem quiser procurar residência
Quem está noivo e já pensa em casar
Pode olhar o jornal paciência
Tra-lá-lá, tra-lá-lá, ê, ê
O jornal de manhã chega cedo
Mas não traz o que eu quero saber
As notícias que leio conheço
Já sabia antes mesmo de ler – ê, ê
Qual o filme que você quer ver – ê, ê
Que saudade, preciso esquecer – ê, ê
É domingo, ê, ê, domingou, meu amor
Olha a rua, meu bem, meu benzinho
Tanta gente que vai e que vem
São três horas da tarde, é domingo
Vamos dar um passeio também – ê, ê
O bondinho viaja tão lento – ê, ê
Olha o tempo passando, olha o tempo – ê, ê
É domingo, outra vez domingou, meu amor