Músicas
Jacintho
Gilberto Gil
Já sinto aqui na barriga
Mais preguiçosa a bexiga
Mais ociosos os rins
Jacintho
Já sinto aqui no meu peito
Alguns sinais de defeito
Coração, pulmões e afins
Velhice
Cálculos, calos, calvície
Hora de chamar o vice
Para assumir o poder
Seu caso
Vaso com mais de cem anos
Vaso sem quebras, sem danos
Meus parabéns pra você
Jacintho
Já sinto certa inveja de você
Cem anos não é para qualquer um viver
Jards Anet da Vida
Gilberto Gil
Jards Macalé
Ou melhor, da selva
Ou pior, da Silva
Ou pior, da selva
Ou melhor, da Silva
Jeca total
Gilberto Gil
Presente, passado
Representante da gente no senado
Em plena sessão
Defendendo um projeto
Que eleva o teto
Salarial no sertão
Jeca Total deve ser Jeca Tatu
Doente curado
Representante da gente na sala
Defronte da televisão
Assistindo Gabriela
Viver tantas cores
Dores da emancipação
Jeca Total deve ser Jeca Tatu
Um ente querido
Representante da gente no olimpo
Da imaginação
Imaginacionando o que seria a criação
De um ditado
Dito popular
Mito da mitologia brasileira
Jeca Total
Jeca Total deve ser Jeca Tatu
Um tempo perdido
Interessante a maneira do tempo
Ter perdição
Quer dizer, se perder no correr
Decorrer da história
Glória, decadência, memória
Era de Aquarius
Ou mera ilusão
Jeca Total deve ser Jeca Tatu
Jorge Salomão
Jeca Total Jeca Tatu Jeca Total Jeca Tatu
Jeca Tatu Jeca Total Jeca Tatu Jeca Total
“A canção é uma metáfora da, ainda que penosa e minimamente processada, emancipação do homem do povo no Brasil, dentro do grande ciclo histórico da politização das massas [primeira estrofe], simbolizada num ente idealizado em lugar da imagem depreciativa do brasileiro inviável, paupérrimo, esfarrapado, descalço e cheio de verme [segunda e terceira estrofes], não sem um contraponto que põe em dúvida o desejo cumulativo contido na própria idéia progressista de avanço [última].
“Jorge Salomão entra no final como uma síntese e um exemplo de Jeca Total. Menino do interior da Bahia, levado pelo impulso de uma geração, ele parte, como o irmão, Waly, de Jequié pra Salvador, de Salvador pro Rio, e daí pra Nova York, tornando-se como realizador um artista no plano do ‘low profile’, não uma celebridade, mas de todo modo um modelo nítido de emancipação própria.”
Outras gravações:
“Brasileirissimas”, Emílio Santiago, Philips
“Refazenda”, Gilberto Gil, Philips 1975
“Novela saramandaia”, Gilberto Gil, Sigla 2000
“Nada será como antes – a música dos anos 70”, Gilberto Gil, Universal Music 2004
“Refazenda”, Gilberto Gil, Warner Music 1994
“Gilberto Gil – original album series (cd 3)”, Gilberto Gil, Warner Music 2012
João Sabino
Gilberto Gil
Pra quem?
Pro santo
Pra quem?
Pro santo
Pra quem?
Pro santo espírito senhor
Pai do filho do Espírito Santo
Senhor pai do filho do Espírito Santo
Senhor pai de quem?
Pai do filho do Espírito Santo
Senhor pai de quem?
Pai do filho do Espírito Santo
Filho do Espírito Santo
Filho de uma localidade de lá
Nessa localidade de lá
Uma abertura de si
Uma embocadura pra dó
Sustenindo uma passagem pra ré
Mi bemol
Já traz o som, o eco
A claridade
Ainda um pouco abaixo do horizonte
Atrás do monte
De mi pra fá
Sustenindo, suspendendo
Sustentando, ajudando o sol
Nascer
Aqui na terra
Atrás da serra
Cachoeiro do Itapemirim
O sol nascer
João Sabino, eu imagino
Quando era menino, via assim
Outras gravações:
“Gilberto Gil ao vivo”, Gilberto Gil, Polygram Music
Comentários*:
“A música que eu fiz em homenagem a João Sabino, pai do filho do Espírito Santo… Nonsence, mas não tanto. Porque João Sabino era o pai de Rubão Sabino [músico que tocava com Gil naquele período], que nasceu no Espírito Santo. ‘Filho de uma localidade de lá’: Cachoeira do Itapemirim – de onde ambos eram. Essa composição é uma loucura. Estranha, inusitada. Toda ela construída com elementos da coisa do nonsence, mas na verdade nem tanto assim. João Sabino era sanfoneiro – tocava sanfona de oito baixos – e eu o conheci no Rio, onde ele morava. Uma figura extraordinária, um negro bonito. Eu gostava muito dele e o homenageei com essa música. O pai do filho do Espírito Santo. Uma maluquisse. Quem é louco por ela é o Moreno.”
*Extraído do livro “Gilberto Gil – Todas as Letras”
Jóia rara
Gilberto Gil
Hoje vem o vento
A qualquer momento
O fogo virá
Coração vadio
Tem que estar atento
Pois cada elemento
Terá seu lugar
Água e ar e fogo
Terra pedregosa
Pedra preciosa
Tudo a merecer
Um canto na alma
Um tapa na cara
Uma jóia rara
Um tanto sofrer
No meio do rio
A voz do barqueiro
Lança o desafio
Buda há de escutar
No meio da noite
No meio do frio
Ao fisgar do acoite
Buda há de encontrar
Justo justo meio
Entre o belo e o feio
Longe do receio
Perto do sonhar
Onde o amor se esconde
Onde o amor se ampara
Uma jóia rara
Um certo penar
Jubiabá
Gilberto Gil
Filho malcriado de uma velha tia
Via com seus olhos de menino esperto
Luzes onde luzes não havia
Cresce, vira um forte, evita a morte breve
Leve, gira o pé na capoeira, luta
Bruta como a pedra, sua vida inteira
Cheira a manga-espada e maresia
Tinha a guia que lhe deu Jubiabá
Que lhe deu Jubiabá
A guia
Trava com o destino uma batalha cega
Pega da navalha e retalha a barriga
Fofa, tão inchada e cheia de lombriga
Da monstra miséria da Bahia
Leva uma trombada do amor cigano
Entra pelo cano do esgoto e pula
Chula na quadrilha da festa junina
Todo santo de vida vadia
Tinha a guia que lhe deu Jubiabá
Que lhe deu Jubiabá
A guia
Alva como algodão e tão macia
Como algo bom pra lhe estancar o sangue
Como álcool pra desinfetar-lhe o corte
Como cura para a hemorragia
Moça Lindinalva, morta, vira fardo
Carga para os ombros, suor para o rosto
Luta no labor, novo sabor, labuta
Feito a mão e não mais por magia
Tinha a guia que lhe deu Jubiabá
Que lhe deu Jubiabá
A guia
Negro Balduíno, belo negro baldo
Saldo de uma conta da história crua
Rua, pé descalço, liberdade nua
Um rei para o reino da alegria
Tinha a guia que lhe deu Jubiabá
Que lhe deu Jubiabá
A guia
[ para o filme Jubiabá, de Nelson Pereira dos Santos ]
Jurubeba
Gilberto Gil
Beba beba beba beba beba beba juru
Jurubeba
Licor licor licor licor licor de jurubeba
Beba chá de juru, beba chá de jurubeba
Oba, bicharada viva, pé de jurubeba
Jurubeba
Canta, passarada linda, flor de jurubeba
Quem procura acha cura, flor de jurubeba
Quem procura acha na raiz de jurubeba
Tudo que é de bom pro figueredo e que se beba
Feito vinho, feito chá
De licor, de infusão
Jurubeba, jurubeba, planta nobre do sertão
“Criei vários: de lojas de tecidos, de sapatos, de bateria de carro. Um deles, o dos calçados Calba, dizia: ‘Parece incrível, mas é flexível/ É o calçado que você sonhou/ É bossa nova exclusiva da Calba/ É bossa nova que a Calba criou.’ Era um sapato tipo Vulcabrás, versão baiana. O das lojas O Cruzeiro finalizava: ‘Nas lojas O Cruzeiro seu dinheiro tem ainda o cartaz/ Nas lojas O Cruzeiro seu cruzeiro vale mais!’
“Um outro, das lojas Milisam: ‘Milisam tem roupa feita para você comprar/ Sem sentir/ Compre de tudo pra vestir/ No crediário popular/ No plano espetacular/ Na sua Milisam’.
“Mais tarde, cheguei a fazer alguns no Rio. Um ano depois do meu primeiro disco, um deles ganhou um concurso aberto pelo Jornal dos Sports, que na época remodelava tipografia, cor, diagramação etc. Fiz também um jingle para os cigarros Hollywood; a canção falava sobre a fumaça como um veículo para os sentimentos e as idéias; como um puxador de emoções.
“A lógica do convencimento, do apelo à sedução, através do ressaltar de traços e elementos constituintes de alguma coisa, típica da linguagem de jingles, é uma característica que de vez em quando aparece nas minhas canções – a tentativa de ir diretamente ao interlecutor, sem intermediações, com ‘um produto’ a oferecer: um pensamento, um sentimento, um valor, uma avaliação, um modo de ver.
“Jurubeba, além de se utilizar da forma, teve mesmo a intenção de ser jingle: foi composta para fazer propaganda da bebida – um composto com vinho que contém boldo e apresenta propriedades medicinais, boa para o aparelho digestivo, e que lembra alguns amaros do Mediterrâneo. Eu gosto muito. Um amigo meu, o Synval da Costa Lima, irmão de Vivaldo da Costa Lima, antropólogo, tinha uma fábrica e costumava me mandar umas caixas de Jurubeba Leão do Norte. É a melhor.”
Outras gravações:
“Serie colecionador”, Gil e Jorge, Universal Music 1998
“Box Salve Jorge”, Gilberto Gil e Jorge Ben, Universal Music 2009
“Grupo Equale”, Albatroz
“Brasil sons e sabores”, Mariana Aydar, YB Produção De Som E Imagem 2008