Músicas
Vou-me embora pra pasárgada
Gilberto Gil
Manuel Bandeira
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
– Lá sou amigo do rei –
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vontade de amar
Gilberto Gil
Ficou quebrado, sem querer partiu
E hoje ao meu lado, coitado
Se queixa da sorte partida que a vida lhe deu
A ternura que eu sonhei sumiu
Fiquei de lado e o meu amor fugiu
E abandonado sou mais um coitado
Que a sorte sem sorte, sem trégua, escolheu
Quebrado assim num samba é tão difícil de cantar
Tão triste, amargurado, eu não consigo mais sonhar
Resolvemos nos unir, surgiu
Novo calor o coração sentiu
Que o samba assim fica até mais bonito
Eu cantando não sinto vontade de amor
Volta ao mundo
Gilberto Gil
A volta ao mundo e aqui chegueeeeeeei
Para ficar um dia ou dois
Um dia ou dois
Dooooooooooois
Ou três ou quatro ou cinco ou seeeeeeeis
A depender do coração
As circunstâncias disporão
Dirão que sim, dirão que não
E eu ficarei um dia a mais
Talvez não parta nunca mais
A depender do coração
Do meu amor, do seu feijão
Da dor da dor, da cor do mar
As circunstâncias disporão
Porão você pra fora, e a mim
Porão de castigo a chorar sem fim
Choraaaaar sem fim
Seeeeeeeeeeei, agora eu sei
Que dei a volta, e a volta volta a me deixar aqui
Aqui sozinho, sem ninguém
Sozinho, sem ninguém
Vem, me faz um ninho
Faz de conta que eu sou passarinho
Minha sabiá
Minha zabelê
Pelo meu caminho
Toda meia-noite eu sonho com você
Se você duvida, eu vou sonhar pra você ver
Volkswagen blues
Gilberto Gil
My Volks-Volkswagen blues
Ready to carry me away
A long way to reach the moon
Let me present to you
My Volks-Volkswagen blues
Ready to carry me away
A long way to reach the moon
Such an idea fills my daydream
Such an idea brings a moon beam
Such a floating light thread
Hangs on my little cabin, lonely cabin
My lunar Volkswagen cabin
With no men, no dog, no bag in
Such an idea thrills my soul
Breaks down my self control
So I haste away to find
Accelerating my mind
Now my cabin floats holding me in
I’ve got the space under my skin
Such an idea thrills my soul
Breaks down my self control
But I feel like a yolk in a egg
On the way to the moon
Thrown high in the sky by my dream
In my Volkswagen blues
Let me present to you
My Volks-Volkswagen blues
Ready to carry me away
A long way to reach the moon
Let me present, let me sing to you
My Volks-Volkswagen blues
Ready to carry me away
A long way to reach the moon
[ Volks-Volkswagen Blue, de Gilberto Gil ]
Gravação
Gilberto Gil – Gilberto Gil (1971), 1971 – Philips
Comentário*
Do fato de a versão em inglês de ‘Volks-Volkswagen blue’ se distanciar semanticamente da letra original; de a nova temática que a canção adquiriu, algo espacial – e que a faz alinhar-se a ‘Cérebro Eletrônico’, ‘Vitrines’ e ‘Futurível’ –, espacialmente pop, se explicar talvez pelo ambiente, londrino e pop, em que ela foi feita – Sim, mas também pela minha então recente adesão a esse tema, exatamente a partir das canções da prisão. Fiz a versão já em Londres, mas pouco tempo – um ano talvez – depois de ter saído da prisão. Ainda vivendo, portanto, sob o signo novo da descoberta do cosmos, que corresponde também à descoberta das filosofias orientais, que propõem esse deslocamento do microcosmos para o macrocosmos e vice-versa, esses embriões da ecologia que levam o homem do centro do antropocentrismo para um universocentrismo, que tiram do centro o homem e colocam a vida. Eu já estou começando a fase macrobiótica, me aprofundando nas filosofias orientais, na yoga, tudo que eu conheci na prisão e que em Londres eu vou explorar mais e mais. Então o Volkswagen blue vira uma nave espacial… Era também o momento áureo da Nasa, das viagens espaciais, em que apareceu aquele sonho de que a exploração do espaço, a partir dali, pudesse ser um caminho científico perene e aprofundável, que levasse cada vez mais a novas descobertas – o que na verdade não se confirmou, porque houve uma certa estagnação pelo menos da corrida espacial. Assim, naquela época havia, tanto no sentido físico, quanto no sentido metafísico, uma temática espacial nova na vida da gente. ‘I’ve got the space under my skin’: quer dizer, a incorporação mesmo da dimensão da espacialidade. Tanto no sentido físico estávamos abrindo a perspectiva de irmos para o espaço, quanto no sentido metafísico estávamos adotando as novas visões teosóficas, teológicas, filosóficas.
*Extraído do livro Todas as Letras – Gilberto Gil
Volks-Volkswagen blue
Gilberto Gil
Um Volks-Volkswagen blue
Zeca, meu pai, comprou
Um carrinho todo azul
Para Beto, para Dina
Chega benção de Claudina
Anda minha mãe mofina
Que saudade, que saudade das meninas
Duas marinaravilhas
Minha cara, duas filhas
Minha caravela, ê
Vai seguindo rumo, ê
Minha cara Bela, ê
Vai seguindo rumo, ê
Viva Bela, ê, ê, camará
Vida bela, ê, ê, camará
Margarida, ê
Me criou pra valer
Morena, morenê, camará
Vou ficar com você
Vou viver com você, camará
Com Jesus vou morrer
Zeca, meu pai, comprou
Um VW mais novo
Zeca, meu pai, mandou
Um beijo, um abraço saudoso
Zeca, meu pai, comprou
Um VW mais novo
Zeca, meu pai, mandou
Um beijo, um abraço gostoso
Gravação
Gilberto Gil – Gilberto Gil (1969), 1969 – Universal Music
Comentário*
Feita no período da prisão domiciliar em Salvador, antes do exílio. Meu pai veio de Vitória da Conquista e nós andamos muito com ele em seu carrinho azul: eu e minha filha Nara, que ele e minha mãe criavam na época – Belina [primeira mulher de Gil] estava sozinha em Salvador e eles ficaram tomando conta das meninas, as duas maravilhas: Nara e Marilia. Um período de produção autorreferente e auto reveladora. Era preciso afirmar a legitimidade do trabalho na praça e a transparência na relação artista-comunidade, cantor e coro: a coisa da tragédia grega.
*
Beto e Dina, citados na letra, são Gilberto Gil e sua irmã Gildina, referidos pelo apelido com que eram chamados em casa, no ambiente familiar. Bela é Belina, mãe de Nara e Marília.
*Extraído do livro Todas as Letras – Gilberto Gil
Você e você
Gilberto Gil
Divino é saber
O que distingue
Você de você
Você dos outros
Do outro você
Você do mundo
Do você do ser
Você num canto
Vive o espanto
Enquanto o outro você
Sai pra viver
Por aí
Tanto pranto, tanta dor
Seu irmão
Pede o seu amor
Diz o I Ching:
Divino é saber
São dois no ringue
Você e você
Você que ataca
Pra se defender
Que beija a lona
Pra poder vencer
Você num canto
Apanha tanto
Enquanto o outro você
Bate demais
Deus do céu
Quanto sangue pelo chão
Seu irmão
Pede o seu perdão
Gravações
Gal Costa – O sorriso do gato de Alice, 1994 – Sony Music
Gilberto Gil – It’s good to be alive (Anos 90), 2002 – Gege
Gilberto Gil – Gil Luminoso, 2006 – Gege
Comentário*
Essa pertence ao rol das minhas canções mais autorais, próprias, pessoais, confessionais (aqui, no sentido da transreligiosidade). Uma canção muito particular também porque recupera o sentido da confiabilidade oracular do I Ching, a que eu particularmente sempre me dediquei e em que sempre confiei (várias canções minhas estão relacionadas com o livro, e em pelo menos três discos aparecem, na capa ou no encarte, os hexagramas correspondentes a eles, obtidos em jogos na época — no Luar ele está na capa mesmo: as nuvens desenhadas constituem o hexagrama). Em “Você é você” temos a compaixão, contida na própria ideia da superação através da religião, na sujeição ao culto, como instrumento de autoeducação, de aprimoramento, de autoaperfeiçoamento; religião como elemento indutor da qualificação na formação dos indivíduos. A canção versa sobre a questão da renúncia, a questão dos desejos, a questão da violência, do confronto com o outro e sobre a ideia de que em cada um de nós se dá um diálogo constante entre um “ser da luz” e um “ser da sombra”.
*Extraído do livro Todas as Letras – Gilberto Gil
Você
Gilberto Gil
Só você conseguiu se tornar
Aquela coisa querida, sonhada, esperada
Que não queria chegar
Dos amores que eu tive
Só você conseguiu preencher
Certos vazios que eu tinha
De umas simples coisinhas
Que um grande amor deve ter
Em você encontrei a verdade
De um amor sem vaidade
De um amor sem paixão
Encontrei em você neste mundo
Algo belo e profundo
Para o meu coração
Não duvide, meu bem
Deste amor que lhe dou
Acredite, meu bem
Pois o tempo parou
Pra me dar a certeza
Da paz da beleza
De amar a você
Dos amores que eu tive na vida
Só você, querida
Tem razão de ser
© Gege Edições Musicais
Vitrines
Gilberto Gil
Sonhos guardados perdidos
Em claros cofres de vidro
Um astronauta risonho
Como um boneco falante
Numa pequena vitrine
De plástico transparente
Uma pequena vitrine
A escotilha da cabine
Mundo do lado de fora
Do lado de fora, a ilha
A ilha Terra distante
Pequena esfera rolante
A Terra bola azulada
Numa vitrine gigante
O cosmonauta, a vitrine
No cosmos de tudo e nada
De éter de eternidade
De qualquer forma vitrine
Tudo que seja ou que esteja
Dentro e fora da cabine
Eter-cosmo-nave-nauta
Acoplados no infinito
Uma vitrine gigante
Plataforma de vitrines
Eu penso nos olhos dela
Atrás das lentes azuis
Dos óculos encantados
Que ela viu numa vitrine
Óculos que eu dei a ela
Num dia de muita luz
Os óculos são vitrines
Seus olhos azuis, meu sonho
Meu sonho de amor perdido
Atrás de lentes azuis
Vitrines de luz, seus olhos
Infinitamente azuis
As vitrines são vitrines
Sonhos guardados perdidos
Em claros cofres de vidro
Gravação
Gilberto Gil – Gilberto Gil, 1969 – Philips
Comentário*
“Vitrines” tem um ingrediente romântico que vem do fato de eu ter namorado uma menina de olhos azuis na Espanha, para onde havíamos ido fazer o show da Rhodia, Momento 68: uma brasileira que tinha viajado com a gente pra lá e pra quem eu tinha comprado um par de óculos que tinham sido perdidos e achados de novo numa vitrine de uma outra cidade.
A visão dos olhos através dos óculos: a canção desenvolve uma ideia poética elaborada, de penetração nas profundidades de camadas sobrepostas ao ser, de caixas transparentes contendo corpos dentro de corpos, almas dentro de almas.
É engraçado hoje em dia eu me debruçar sobre essas coisas que eu não imaginava que pudessem ter o valor que a gente resgata agora, e que pra mim eram somente impulsos, assomos, e ver que de fato eram manifestações de alma poética, poesia já, reveladoras de um espírito de época, e das quais tudo o que eu vim a fazer depois parece carbono, cópia melhorada, desdobramento.
*Extraído do livro Todas as Letras – Gilberto Gil
Viramundo
Gilberto Gil
Capinan
Nas rondas da maravilha
Cortando a faca e facão
Os desatinos da vida
Gritando para assustar
A coragem da inimiga
Pulando pra não ser preso
Pelas cadeias da intriga
Prefiro ter toda a vida
A vida como inimiga
A ter na morte da vida
Minha sorte decidida
Sou viramundo virado
Pelo mundo do sertão
Mas inda viro este mundo
Em festa, trabalho e pão
Virado será o mundo
E viramundo verão
O virador deste mundo
Astuto, mau e ladrão
Ser virado pelo mundo
Que virou com certidão
Ainda viro este mundo
Em festa, trabalho e pão
Violentidão
Gilberto Gil
Não é a mesma da televisão
Televisão é violenta
Lenta, lenta
Violentidão
Para o habitante do morro
Para o operário
Para o pequeno-burguês
Violência é só a violação das leis
A coisificação das consciências
Que os mass-media fazem
Todo o tempo
Toda a impaciência
Viola também
Mas tão lentamente
E com tanta ciência
Quem nem parece ser tão violenta
A violência que sofre o freguês
© Gege Edições Musicais
Violão que sabe mas não fala
Gilberto Gil
Se encontrava ao meu lado
Quando lhe conheci
Meu violão
Testemunha do amor
Que nasceu em mim
Meu companheiro que outrora
Chorava comigo
O tédio da solidão
Agora canta comigo
A beleza do amor
Que mora em meu coração
Eu só queria que ele
Pudesse dizer
Pra você
Tudo que eu sei que ele sabe
Mas você não sabe
Ou não quer saber
Vinte e seis
Gilberto Gil
Eu faço tudo igual todo dia vinte e seis
Como todos vocês
Eu passo bem ou mal todo dia vinte seis
É que só no meu caso especial
Por acaso, aqui, pra mais dois ou três
Vinte e seis virou dia de natal
E nesse caso junho foi o mês
Hoje, portanto, já que eu viajei
Esse tanto pra vir me apresentar
Entre tantas canções que eu vou cantar
Eu vou cantar parabéns pra vocês
(refrão)
Outros membros do clã do vinte e seis
Em setembro, eu me lembro, tem a Gal
Em outubro, o Bituca tem a vez
E o meu neto João comigo igual
Neste meu vinte e seis, não leve a mal
Já que é logo depois do São João
Diferente do parabéns normal
Eu vou cantar um parabéns baião
Gravação
Gilberto Gil – Fé na festa, 2010 – Gege
Comentário*
“Nasci com o dia, o dia nasceu comigo, vamos juntos até o fim”. O dia em que a gente nasce é uma espécie de marca de gado. O 26, no meu caso — e também no da Gal, do Bituca e do meu neto João, do mesmo dia que eu. “Vinte e seis” é pra brincar com o significado da força do calendário, o sentido sacralizado da data, da datação do dia, do mês, do ano. Com essa outra dimensão do tempo: o tempo número. Do dia 26, tinha também Belina [primeira mulher de Gil, mãe de Nara e Marília]. Foi uma omissão que eu considero relativamente grave não ter registrado na música. Só me ocorreu depois que já tinha feito a música. Ela era de 26 de maio.
Você é junino, mesmo. Cantando essas canções, está justificado. — Sou. Essa é mais uma daquelas canções minhas com um espírito bem gonzaguiano. No meu caso é impossível não ser assim. Ele é o primeiro.
A estrofe dos meses dos outros membros do clã é interessante também sonoramente, com suas rimas internas entre “membros”, “setembro” e “lembro”, porque “embro” não é uma terminação com grande incidência na língua. — Que proporcionam esse jogo de entrelaçamento, de partes externas com partes internas dos versos, terminações com sílabas do meio chamadas rimas internas, que enriquecem tanto o versejar.
E na mesma quadra, no terceiro verso, tem o fonema “tu” justo no meio de “outubro” e “Bituca”, o que, embora não constitua uma rima completa, produz uma reverberação sonora interessante. — “Em outubro, Bituca tem a vez”. É o bitu-bitubro-bitu-bituca, também proporcionado pela rítmica, pela força do zabumba de novo. Baião: pum-pum! Em outubro, Bituca; em outubro, Bituca [Gil pronuncia as palavras de modo rítmico, onomatopaico, de forma a imitar uma zabumba] Tu-pu- -tu-pu-cu, tu-pu-cu-tu-pu-cu. Esse batuque proporcionado pelas palavras, pelo silabar.
O João [neto de Gil] já tinha sido citado em “Refavela”, mas ali ele não existia ainda. Ainda viria a nascer treze anos depois. — Em 90. Na Copa de 90. Dois dias depois de o Brasil perder pra Argentina. Eu estava em Turim, numa mesa, num almoço com Carlos Alberto, Gérson, Paulo César Caju, uma turma. Aí chegou o telefonema da Nara, da família, pra mim, dizendo que o João tinha nascido.
*Extraído do livro Todas as Letras – Gilberto Gil
Vida sem vida
Gilberto Gil
Felicidade fugiu
A minha vida sem vida ficou
Tudo belo sumiu
Dias de paz, de ternura, de amor
Tudo isso se foi
E o abandono me castiga
Meu amor já não me liga
Só saudade, saudade que dói
Meus dias de verão já não têm mais calor
Minha noite de luar já não tem poesia
E as flores do jardim já não têm cor
Pra mim já não existe a palavra “alegria”
© Gege Edições Musicais
Vi, ouvi
Gilberto Gil
Ou foi primeiro um cheiro que senti
Ou foi antes um frio
Ou foi antes o gosto
De sangue do seu peito que mordi
Vi, ouvi
Será que foi no dia em que nasci?
Será que já haveria
No escuro do seu ventre
Quem sabe alguma luzinha a luzir?
Será que já haveria
No oco do seu ventre
Quem sabe um eco que eu pudesse ouvir?
Vi, ouvi
Tenho ouvido tanto por aí, mãe
Visto e ouvido tanto por aí, mãe
Aí, mãe
Aí
O mundo continua sendo assim
As mães parindo, os filhos vindo
Vendo, ouvindo, indo
E outros nem bem, mãe
Vivendo pra saber
Vento de maio
Gilberto Gil
Torquato Neto
Caminhando há tanto tempo
Que vem de vida cansada
Carregada pelo vento
Oi você, que vem chegando
Vá entrando, tome assento
Desapeie dessa tristeza
Que eu lhe dou de garantia
A certeza mais segura
Que mais dia, menos dia
No peito de todo mundo
Vai bater a alegria
Oi, meu irmão, fique certo
Não demora e vai chegar
Aquele vento mais brando
E aquele claro luar
Que por dentro desta noite
Te ajudarão a voltar
Monte em seu cavalo baio
Que o vento já vai soprar
Vai romper o mês de maio
Não é hora de parar
Galopando na firmeza
Mais depressa vais chegar
Vem, menina
Gilberto Gil
Torquato Neto
Tô te esperando
Vem, que a roda
Tá começando
Vem depressa
Atrasa o samba, não
Vem, princesa
Da madrugada
Vem correndo
Não pensa em nada
Vem sambar até
Cair no chão
Olha que o samba é pra valer
Mas logo o dia vai nascer
Olha que tudo termina
Vem, não demora, menina
Quem não samba nunca vai saber
Que ainda é tão bom se viver
Gravação
Jair Rodrigues – O sorriso do Jair, 1966 – Philips
Vamos passear no astral
Gilberto Gil
Com o duplo etérico furado
Com você do meu lado, menina
Não vai ter problema nenhum
Vamos passear no astral
Com o intelecto pirado
Caetanaves do ano passado vão pintar
Pra levar todo mundo pelo espaço
Pra levar todo mundo pro planeta Carnaval
Pelo menos, menina, por um dia
Vamos passear no astral
Gravação
Gilberto Gil – Expresso 2222, 1999 – Universal Music
Comentário*
Essa canção também nasceu das conversas com Smetak sobre as categorias esotéricas; sobre o plano da fisicalidade transcendental, do mundo dos corpos sobrepostos — corpo físico, corpo astral, corpo etérico, corpo mental. O assim chamado duplo etérico seria a primeira camada, “furado” pelo uso das drogas, da maconha, do álcool, do sexo (só o sexo tântrico não causaria tais “furos”). “Vamos passear no astral” é sobre isso: na verdade, uma brincadeira com isso, porque a música é de Carnaval.
Caetanave era um novo trio elétrico, que tinha sido feito com base num avião, num Concord, num supersônico que o Osmar viu no folheto de um avião, ficando então com vontade de imitar uma nave, um foguete da época, e resolvendo fazer um trio elé- trico com aquele formato, ao qual ele deu o nome de Caetanave, em homenagem a Caetano. A canção é dessa época. Eu já estava no Brasil, de volta.
*Extraído do livro Todas as Letras – Gilberto Gil
Vamos fugir
Gilberto Gil
Deste lugar, baby
Vamos fugir
Tô cansado de esperar
Que você me carregue
Vamos fugir
Proutro lugar, baby
Vamos fugir
Pronde quer que você vá
Que você me carregue
Pois diga que irá
Irajá, Irajá
Pronde eu só veja você
Você veja a mim só
Marajó, Marajó
Qualquer outro lugar comum
Outro lugar qualquer
Guaporé, Guaporé
Qualquer outro lugar ao sol
Outro lugar ao sul
Céu azul, céu azul
Onde haja só meu corpo nu
Junto ao seu corpo nu
Vamos fugir
Proutro lugar, baby
Vamos fugir
Pronde haja um tobogã
Onde a gente escorregue
Todo dia de manhã
Flores que a gente regue
Uma banda de maçã
Outra banda de reggae
Gravações
Gilberto Gil – Raça Humana, 1984 – Warner Music
Gilberto Gil – Kaya n’gan daya (Ao vivo), 2003 – Warner Music
Skank – Radiola, 2004 – Sony Music
Natiruts – Natiruts Reggae Brasil (Ao vivo) [Deluxe], 2016 – Zeropontodois Entretenimento sob licença de Sony Music
Comentário*
Uma versão para o reggae “Gimme Your Love”, que eu fiz originariamente em inglês e que assim gravei na Jamaica, sobre uma música do Liminha. E que também já veio com a forma pronta na qual eu tive que ir encaixando as palavras. Quando chegamos aqui, achamos que era interessante a canção sair em português, porque afinal era para um disco brasileiro; foi aí que eu fiz a versão dela. Aqui temos de novo um par romântico, um casal fugindo. A construção poética, no plano sonoro, é forjada a partir de uma associação, empregando palavras que contenham o fonema “reggae” [“carregue”, “escorregue”, “regue”].
*Extraído do livro Todas as Letras – Gilberto Gil