Músicas
Yamandu
Gilberto Gil
Tem que ouvir o Yamandu
Com seu violão ligeiro
Parece que é pressa
Mas é só suingue à beça
E bossa e vibração no corpo inteiro
Só quem segue o Yamandu
É o frisson do pandeiro
Vê se pega o Yamandu, lá vai o Yamandu
Não deu, Yamandu chegou primeiro
Violão brejeiro corre assim
Viva o brasileiro até o fim
Veja as mãos, ouça o fraseado
Parece que é só bolado e treinado, ensaiado, e não é
Tem que ouvir o Yamandu
Com seu violão ligeiro
Vê se pega o Yamandu
Lá vai o Yamandu, não deu
Yamandu chegou primeiro
Gravação
Gilberto Gil – OK OK OK, 2018 – Gege
Comentário*
[“Yamandu”: mais uma canção de Gil pra um músico, um artista da música brasileira, ele que já cantou João, Caymmi, Tom, Milton, Alf.] Nesse caso foi originalmente uma canção instrumental, um choro suave, bossa-novístico. Só em seguida me ocorreu oferecer essa música a Yamandu. Como processar isso? Veio a ideia de falar da própria agilidade, da habilidade dele, da sua destreza como instrumentista; de fazer uma defesa dessa qualidade contra uma desqualificação, porque eu já ouvi certas críticas ao fato de ele ser muito ligeiro, muito rápido. Foi o que fiz, louvando a inteireza do talento; a relação entre a capacidade técnica e a vibração inspiradora. “Yamandu chegou primeiro”: pra dar uma concretude à ideia da ligeireza, da rapidez, da vertigem virtuosística do instrumentista veloz que ele é. E inspirado mesmo, porque ele é música pura, sensorialidade profunda, sensualidade, vivacidade. Não é mera técnica, é para além disso: ele transcende esse campo. É um grande músico, tem uma primazia, é o primeiro da classe.
Eu tinha conhecido Yamandu num episódio engraçado, interessante. Eu fui fazer um show em Florianópolis e fiquei hospedado no mesmo hotel em que ele estava. À tarde, eu chegando ao meu quarto, ouço um dedilhado de violão. Me deu aquela curiosidade. Dois ou três quartos mais adiante a porta aberta estava aberta, e ele tocando. Cheguei à porta, ele me reconheceu: “Oi, Gil!”, nós nos saudamos e ficamos a noite toda tocando. Depois disso várias outras vezes estivemos juntos. Depois já de ter composto a música pra ele, nós fomos juntos pra uma apresentação em Boston, num desses encontros culturais multidisciplinares com vários artistas e gente ligada às questões da internet; e os dois músicos que foram chamados pra tocar lá, entreter aquela plateia, fomos eu e ele. Eu cantei, toquei, e ele me acompanhou pela primeira vez nessa música. Depois ele a colocou no repertório dele. E eu no meu. E eu o chamei pra gravá-la comigo; ele participou da gravação.
*Extraído do livro Todas as Letras – Gilberto Gil