Músicas
Babá Alapalá
Gilberto Gil
Aganju, Xangô
Alapalá, Alapalá, Alapalá
Xangô, Aganju
O filho perguntou pro pai:
“Onde é que tá o meu avô
O meu avô, onde é que tá?”
O pai perguntou pro avô:
“Onde é que tá meu bisavô
Meu bisavô, onde é que tá?”
Avô perguntou bisavô:
“Onde é que tá tataravô
Tataravô, onde é que tá?”
Tataravô, bisavô, avô
Pai Xangô, Aganju
Viva egum, babá Alapalá!
Aganju, Xangô
Alapalá, Alapalá, Alapalá
Xangô, Aganju
Alapalá, egum, espírito elevado ao céu
Machado alado, asas do anjo Aganju
Alapalá, egum, espírito elevado ao céu
Machado astral, ancestral do metal
Do ferro natural
Do corpo preservado
Embalsamado em bálsamo sagrado
Corpo eterno e nobre de um rei nagô
Xangô
© Gege Edições Musicais
Gravações
Gilberto Gil – Refavela, 1977 – Philips
Gilberto Gil – História da MPB, 1982 – Abril Cultural
Gilberto Gil – Soy loco por ti America, 1987 – Warner Music
Zezé Mota – Este e o Gil eu gosto, 1995 – Warner Music
Gilberto Gil – 2 é demais, 1996 – Warner Music
Grupo Equale – Albatroz, 1999 – AZ
Zezé Motta – E collection, 2001 – Warner Music
Gilberto Gil – Nightingale, 2002 – Warner Music
Rita ribeiro – Tecnomacumba, 2006 – Biscoito Fino
Gilberto Gil – Bandadois, 2009 – Warner Music
Zezé Motta – Dose dupla – cd 2, 2011 – Warner Music
Comentário*
“Alapalá é um egum do terreiro de egum da Ilha de Itaparica, exatamente o egum da família de Xangô – que foi o primeiro candomblé que eu visitei, levado pelo Mestre Di, em 72. Alapalá foi um dos eguns que saíram, dançaram, ali, aquela noite, em que o Mestre Di jogou os búzios para mim e viu que eu era de Xangô, o que pesou no fato de eu mais tarde ter escolhido Alapalá para homenagear. Os versos aludem a Aganju, já na qualidade de orixá, que é um Xangô menino, e ao próprio Xangô Alapalá, que é o egum da família de Xangô, lá na Ilha de Itaparica.
Na letra eu vou fazendo um comentário sobre a ancestralidade, vista, misturadamente, tanto do ponto de vista do orixá quanto do ponto de vista do egum, que são duas coisas diferentes, os orixás sendo entidades míticas do olimpo, os deuses, e os eguns, os desencarnados, os humanos. Eu aí faço uma associação meio livre e pouco rigorosa, enfim, não necessariamente correta, entre uma coisa e outra; enfim, trata-se de uma interpretação muito pessoal.
À época em que fui ao terreiro, eu estava começando a compreender e a me interessar pelo profundo envolvimento que o candomblé tem com a cultura negra toda da Bahia, todo o universo das formas de expressão cultural da Bahia, a música, o carnaval, o modo de ser do povo e da cidade, Salvador.
Eu começava a associar o candomblé a todo esse mundo expressivo baiano, algo que eu não fazia antes e que só passei a fazer quando ele entrou na minha vida, depois que eu voltei do exílio.”
*Extraído do livro Todas as Letras – Gilberto Gil
A faca e o queijo
Gilberto Gil
Que eu não lhe faço uma canção
Acha que a chama
A velha chama da paixão
Não nos inflama mais
Com tanto ardor
Como na época em que éramos
A faca e o queijo
A faca e o queijo
E o desejo tinha mãos
E as mãos, traquejo
No bom manejo da emoção
No jeito de tomar
No ato de cortar
No simples fato de juntar
A faca e o queijo
A gente ama
E o amor produz transformações
A velha chama
Acende novas ilusões
Com mãos bem mais sutis
Novos desejos
Vão tornando nossos beijos
Mais azuis, menos carmins
Você reclama
E eu sei que é só por reclamar
Como quem chama
Outra criança pra jogar
Seus jogos infantis
Ainda nos vejo como outrora
Faca e queijo, sim
Num tempo mais feliz
Gravações
Gilberto Gil – It’s good to be alive – anos 90, 2002 – Warner Music
Gilberto Gil – Banda larga cordel, 2008 – Warner Music
Comentário*
“Fiz essa canção no avião. Eu saí de Salvador para Brasília pela manhã, e escrevi as duas primeiras estrofes; voltando de Brasília à noite, no mesmo dia, para Salvador, eu escrevi as duas finais.
Fui fazendo só a letra, mas na verdade já pensando, vivendo a música silenciosa que estava ali – porque todo compositor que trabalha com letra e música, com os dois códigos, muitas vezes, quando está fazendo uma coisa, já está fazendo a outra. Então, enquanto eu escrevia os versos dessa canção no avião, na verdade a música de uma certa forma já estava ali, no silêncio; depois, as notas musicais que já estavam ali, eu então peguei em casa…
‘A faca e o queijo’ é uma canção sobre o amor maduro, o amor cujo fogo já é de uma chama azulada, de gás, de fogão a gás: quando já é o gás – uma substância mais sutil – que queima, não a lenha, nem o carvão, nem o petróleo, mas o gás em si: essas imagens de sutileza, que no fundo, no fundo, são o próprio mundo feérico do poeta. O poeta gosta do mundo onde pululam os entes leves, os entes sutis – isso constitui o próprio ideal do poeta; o poeta gosta quando esses mundos se insinuam, porque ele é identificado com a leveza: poesia é leveza, é delicadeza, mesmo quando ela está falando do peso bruto, da brutalidade; porque ela quer fazer com que o pesado voe.
(Eis por que eu adoro avião: porque eu acho o avião poético. Em determinados coisas a ciência e a tecnologia alcançam o nível poético: o avião é uma delas).
Uma canção de amor maduro: na aceitação da não volúpia e da sutilização da volúpia sexual, uma das vantagens que o homem velho vai tendo em relação aos outros. Uma das razões, também, de eu me referir ao envelhecimento como uma coisa prazerosa, ao invés do tom normalmente queixoso que a maior parte das referências à velhice têm.”
*Extraído do livro Todas as Letras – Gilberto Gil
A coisa mais linda que existe
Gilberto Gil
Torquato Neto
É sair por um segundo
E te encontrar por aí
E ficar sem compromisso
Pra fazer festa ou comício
Com você perto de mim
Na cidade em que me perco
Na praça em que me resolvo
Na noite da noite escura
É lindo ter junto ao corpo
Ternura de um corpo manso
Na noite da noite escura
A coisa mais linda que existe
É ter você perto de mim
O apartamento, o jornal
O pensamento, a navalha
A sorte que o vento espalha
Essa alegria, o perigo
Eu quero tudo contigo
Com você perto de mim
A ciência em si
Gilberto Gil
Arnaldo Antunes
Tende a que se entenda
E toda lenda
Quer chegar aqui
A ciência não se aprende
A ciência apreende
A ciência em si
Se toda estrela cadente
Cai pra fazer sentido
E todo mito
Quer ter carne aqui
A ciência não se ensina
A ciência insemina
A ciência em si
Se o que se pode ver, ouvir, pegar, medir, pesar
Do avião a jato ao jaboti
Desperta o que ainda não, não se pôde pensar
Do sono do eterno ao eterno devir
Como a órbita da terra abraça o vácuo devagar
Para alcançar o que já estava aqui
Se a crença quer se materializar
Tanto quanto a experiência quer se abstrair
A ciência não avança
A ciência alcança
A ciência em si
A bruxa de mentira
Gilberto Gil
João Donato
Bombom de rapadura
Saborosa figura
A bruxa de mentira
Não vejo a hora de ir
Na barraquinha comprar
Rapadoçura bombom
Bruxinha gostosura
A bruxa de mentira
Bombom de rapadura
Saborosa figura
A bruxa de mentira
Bombom de rapadura
Exdrúxula figura
Bruxinha gostosa
Neném rapadoçura
A abóbada da vida
Gilberto Gil
É a abóbada
Lá no alto da cabeça
De onde a alma brilha pendulada
Como um cristal num pingente
É a mente
É a mente atônita
Descendo e subindo a escada
Da coluna vertebral da gente
Tentando alcançar a abóbada
Da vida
É a vida abobalhada
Ilhada dentro do corpo
Notre Dame imaculada
Órgãos por todos os lados
Tocando música
E os olhos da vida em êxtase
Vendo a alma brilhar pendulada
Presa no alto da abóbada
Da vida
© Gege Edições Musicais
Gravações
A Cor do Som – E-collection, 2001 – Warner Music
Gilberto Gil – Teste, 2005 – Universal Music